Antes de mais nada, devemos um minuto de silêncio em homenagem aos brasileirinhos assassinados em Realengo, numa cena absurda, certamente tirada de algum filme americano (sempre eles...). (...). Ando meio perturbada, um pouco pela saudade de minha irmã, um pouco porque o trabalho tá voltando a ficar num ritmo maluco (e eu não quero mais esse ritmo), um pouco porque parece que eu estou vivendo um pesadelo com as notícias que ando lendo. Estou chocada, horrorizada, pasmada! A tragédia da escola de Realengo é tão inverossímel, que a simples busca de um motivo se torna uma maratona cheia de obstáculos, com mil opiniões, conclusões, sugestões e análises, tudo na tentativa de tentar entender o quê e o porquê, talvez até pra descobrir se erramos em algo que talvez tivesse evitado o desastre. Mas isso não é tudo. Além dessa aberração, outras aberrações surgem aos borbotões dos noticiários, trazendo fatos que me envergonham de ser brasileira, de ser humana. Acompanhei estarrecida os desdobramentos das falácias do sr. deputado capitão Jair Bolsonaro, e a medievalidade de uma das sentenças do sr. dr. juiz de direito Rumbelsberger Rodrigues! PELAMÔRDEDEUS!!! Eu consigo perdoar e até entender um psicótico esquizo como o imbecil de Realengo, que vive uma realidade paralela, enxerga e ouve o que não existe e imagina-se perseguido, mas um cara formada, ilustrado e investido num cargo e numa função pública??!!!!!! De novo: PELAMÔRDEDEUS!!!!! Lôcura, lôcura, lôcura! Pra quem não leu ou não soube, o ilustríssimo Bolsonaro, em resumo, declarou, em alto e bom som, pra quem quisesse ouvir, que ele será a maior pedra no sapato de quem tentar regular, pelos trãmites do legislativo, os direitos dos homossexuais, e que vai fazer de tudo pra "enterrar" (isso mesmo, ele usou esse termo mesmo, certamente com segundas intenções, e deve estar fazendo chacota disso, em seu gabinete, com seus assessores, sobre o quê e onde "enterrar", como bom macho adulto branco dominante que é) as iniciativas neste sentido. E o ilustríssimo Rodrigues (que eu não consigo repetir o outro nome), em uma sentença sua, chamou a lei Maria da Penha de "conjunto de regras diabólicas", que "se vingar colocará a família em perigo", pois a "desgraça humana começou no paraíso, por causa da mulher", e que "as armadilhas desssa lei absurda tornam o homem tolo, mole", e que "o mundo é masculino e assim deve permanecer", e que no caso de um impasse entre o casal, "a posição do homem deve prevalecer até a decisão da Justiça, já que o inverso não será do agrado da esposa". Certamente, não será do agrado da esposa dele. Ou de algum muçulmano fanático do taleban. Meu, tô desacreditando, véi!!! Nunca, jamais, eu ví algo tão imbecil, machista, nojento, sexista, preconceituoso e macabro do que estas duas declarações! Eu tô morrendo de medo disso, é sério! Já imaginou se isso vira moda? A Ku Klux Klan e o apedrejamento de supostas adúlteras vão virar lei! Caraca! Tô inconformada, chega a me dar um embrulho no estômago.
Eu sempre fui contra os poíticamente chatos corretos, os ecochatos, os chatos protetores das minorias e dos animais. Veja bem, dos chatos. E sabe porquê? Porque o chato é sempre um chato, e acaba esvaziando a discussão do que realmente interessa. É que nem reunião de condomínio, onde um cara reclama que o outro construiu um armário no vão da parede da vaga de garagem demarcada dele, e que não pode, não pode, não pode! Não pode porquê? Por que tá usando um espaço que não está combinado? Ora, mede quantos metros quadrados tem, e cobra condomínio e IPTU dele, uai? Qual é o problema do armárinho, se o probema real é que não tem vaga na garagem pra todo mundo, percebe? Então, vamos discutir a gaiola do animal de laboratório, que solto na natureza vai morrer, porque não é selvagem, ou vamos discutir os motivos do uso de animais em laboratórios? Vamos discutir se o percentual de cotas de afrodescendentes é esse ou aquele, ou vamos discutir se o melhor não seria pegar os melhores alunos de toda uma vida para dar a eles a vaga na facul pública? Vamos dar bolas pro presidiário costurar, enquanto cumpre pena numa instituição que deveria servir só pra ele aguardar julgamento, ou vamos resolver o fato de que ele deveria estar numa instituição adequada, ou talvez até solto? Percebe? Entende onde está o buraco? Não gosto de jeitinhos, gosto de soluções. Por isso, os chatos me irritam. Mas isso não quer dizer que não me preocupo, não me incomodo e não milito pelos direitos iguais. Ora, ora, militei oficialment pelos direitos humanos por dezessete anos (isso mesmo), e continuo fazendo minha parte extra-oficialmente. E é por isso que estou chocada. Há trinta anos atrás, essas afirmações passariam despercebidas para a maioria, e até nem incomodariam a quase totalidade das pessoas, pois eram posturas relativamente aceitas socialmente, num Brasil em que direito era coisa de militar e de ditadores, e deveres eram a nossa vida, de pobres cidadãos mortais. Mas agora?! Depois de todo esse avanço das relações sociais, do Judiciário brasileiro, com todos seus defeitos, estar conseguindo impor o Estado de Direito, do brasileiro estar reconhecendo que todos têm direito ao seu lugar ao sol, não importa se alto, baixo, gordo ou magro, branco ou vermelho (vamos evitar problemas com os politicamente chatos), ouvindo samba ou ouvindo funk, comendo carne ou vivendo da luz, gostando de rosa ou gostando de azul! A verdade é que dentro de casa, conversando na mesa de refeições, essa postura é inaceitável, mas investida de cargo público ela é INADMISSÍVEL, e deve ser punida, com os mesmo rigores de lei que exigimos aos assassinos. Sim, porque essa postura, vinda de uma "otoridade", cria isso mesmo: assassinos. Se não assassinos dos corpos, assassinos das almas. Quem é que disse a esses senhores que o mundo é pequeno demais para cabermos todos nele? Quem é que disse a esses senhores que uma pessoa tem direito sobre a vida e o corpo da outra? Quem é que disse a esses senhores que alguém pode mandar em outro alguém, determinando como ele deve viver e o que fazer de sí e de sua vida? Quem? Onde está escrito que, fora os gays, os simpatizantes, as mulheres, as crianças, os campistas, os animais, a natureza, os turistas, os torcedores de futebol, os fãs do funk da motinha, as apresentadoras de programa infantil e os comedores de siri, só os outros é que são filhos de Deus? Quem foi que disse que é pecado amar alguém e construir família com esse alguém, sendo ele vermelho (!!!) ou branco, alto ou baixo, gordo ou magro, macumbeiro ou evangélico, corintiano pu palmeirense, do mesmo sexo ou não? E de onde saíu, ou melhor, voltou, essa idéia maluca (deve ter sido do quinto dos infernos) de que é do agrado da mulher um homem agressivo, violento, autoritário, a quem ela deve alegremente se submeter? Certamente de pessoas que não têm a capacidade amar e o que é pior, de respeitar. Uma vez, um amigo ingles me disse que a mudança da vida dos gays ingleses, ao longo da história, tinha sofrido mudanças drásticas. Na idade média, eles eram queimados em fogueira; depois, no começo do século XX, passaram a ser presos em prisão perpétua; em meados do século XX, passaram a ser multados; hoje em dia, ser gay é regular e legal, mas meu amigo disse esperar honestamente que não se torne obrigatório.(...) Ok, Ok, parece uma piada homofóbica, mas não é. É a constatação de que a orientação sexual é um direito, como qualquer outro. E que, na contrapartida, pretender que todo mundo seja heterossexual é que é um absurdo, tal como pretender que todo mundo seja gay. E quanto às mulheres, num país com uma presidenta da república e com tantas mulheres presidentas de empresas, ministras de tribunal, senadoras e trabalhadoras sustentando suas casas sozinhas, a espelho dos grandes países civilizados do norte da Europa, o que esse juiz acha, que elas chegam em casa e perguntam para os maridos se elas trabalharam direitinho naquele dia, pra que eles nãos as deixem de castigo? Quem sabe (e eles devem ter medo disso), pelo arrojo de comportamento e sofisticação de entendimento dessas mulheres, talvez elas dividam suas dúvidas e peçam conselhos para suAs companheirAs. E definitvamente, amar, dividir e se aconselhar com seus parceiros (ou parceiras) parecem coisas que esses dois... como chamá-los?...homens?... enfim, essas duas pessoas não devem saber o que é, como não sabem o que é democracia, onde a gente é obrigado a conviver com as baboseiras e as asneiras de gente como esses dois.
Sobre Realengo e seu problema real, por trás do sensacionalismo, eu falo depois.
Um arco-íris muito rosa de saudações acadêmicas!