E aí, pessoal? Aos que sobrevivemos à pandemia, nos resta agora saber se sobreviveremos a este governo e seus puxadinhos... Tanta coisa acontecendo, tanta coisa a ser comentada, mas... voce tem coragem? Eu não.
Fiz uma amiga venezuelana. Não vou citar o nome dela. A conheci (espero que a língua evolua, para aceitar essa forma de colocar o pronome, no começo da frase, já que estão enfiando todes em todos) durante a pandemia, numa das idas obrigatórias ao mercado, onde cheguei a ver pessoas com roupas de plástico, escafandro, galochas. Não vou mentir, eu mesma carregava um borrifador com agua sanitária no carro, e borrifava nas solas dos sapatos, antes de entrar no carro. Borrifava nas compras antes de por no carro. E chegando em casa, arrancava a roupa toda do lado de fora da porta, no quintal, e seguia pro chuveiro. Um pavor patológico de trazer o vírus para meus filhos ou minha mãe. Poha, a OMS veiculou que se podia contaminar apenas passando nas ruas no entorno dos hospitais!! É pra deixar qualquer um doido! No fim, nada era científico. No fim, o virus veio no bico da agulha que diziam ia me proteger. E a família toda pegou, filhos, mãe, sobrinho, até a namorada dele! Aproveitamos pra matar as lombrigas de toda a família, e o que era morte quase certa virou resfriado, só eu que me ferrei, porque como veio num pacote disfarçado de antídoto do mal, não me protegi. Saldo: quase 60% do pulmão fosforescente, com o plus de tres nódulos (que cicatrizaram, amém!), uma fraqueza na musculatura do coração (melhorou bem, mas não será nunca mais a mesma coisa), uma fadiga que levou três anos pra começar a melhorar, memória perdida e uma falta de ar que não me larga nunca mais, fora a hérnia que a tosse contínua e exaustiva provocou. Enfim, é isso aí, sensação ruim de ter sido usada e lograda...
Mas eu falava da venezuelana. Veio pra cá na pandemia. Conheci ela feliz e otimista. Disse que comprava tudo verde e amarelo, para demonstrar sua gratidão. Entusiasmada com a variedade de coisas disponíveis no mercado, a facilidade do emprego, o poder de compra do dinheiro. Disse que veio a familia toda, pais, irmaos, filhos, companheiros. Narrou a emoção da fuga, e o calor da recepção do brasileiro. Pôxa, que bom, fico feliz que ela tenha se sentido acolhida. Não deve ser fácil ter de deixar sua terra pra se arriscar no desconhecido. Meu pai trazia uma mágoa profunda da Itália, quase do mesmo tamanho que o amor que sentia. Dizia que a Italia tinha sido uma mãe ingrata e desnaturada, no pós-guerra. Amava o Brasil, como quem ama a mãe adotiva, com gratidão, mas temperado com a nostalgia de quem foi abandonado. Creio que esse sentimento deve ser universal a todos que são obrigados a deixar seu lugar, por melhor que sejam recebidos em outro. E minha amiga, feliz de estar aqui, grata e entusiasmada, contava do horror que a obrigou a fugir. Nessas horas, a nuvem daquela nostalgia que falei, perpassava seus olhos. E ela dizia " tão linda minha terra... pena o que fizeram com ela"... E sorria em seguida, falando da casinha alugada, do emprego do irmão, da indecisão do pai de qual fruta comprar na feira.
Esses dias nos encontramos. Ela não estava tão feliz. Perguntei se estava tudo bem. Ela estava no trabalho dela, fui lá por acaso, comprar umas coisas. E ela começou a falar: sabe, as personas me preguntan se lá, em Venezuela, é como dicem las notícias aqui; eu digo que sì, e és peor, e sabe lo que dicem? Que non creèm! Como no creèm? Non veèm lo que está aconteciendo aqui??? Mejor ficar quieta, no falar nada, no quiero problema...
Eu poderia rir, se não fosse tão trágico. Melhor não falar nada. Também não quero problemas.
Saudações acadêmicas.

